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Tisha b’ Av – O dia mais trágico da história de Israel

O último dia 3 de agosto marcou o dia mais infame do povo judeu. A data coincidiu com o Tisha b’Av ou 9 de Av, o dia que concentra isoladamente as ...

Tisha b’ Av – O dia mais trágico da história de Israel
Tisha b’ Av – O dia mais trágico da história de Israel (Foto: Reprodução)

O último dia 3 de agosto marcou o dia mais infame do povo judeu. A data coincidiu com o Tisha b’Av ou 9 de Av, o dia que concentra isoladamente as grandes tragédias ocorridas na história de Israel.

Tisha b’Av encerra o período das três semanas de lamento que se iniciou em 17 de Tamuz (Bein HaMetzarim), sobre o qual escrevi aqui no mês passado. É uma data considerada amaldiçoada pelo povo judeu dada a sequência de eventos calamitosos que ocorreram nesse exato dia, em diferentes épocas.

Dentre as calamidades mais conhecidas, estão a destruição do primeiro Templo (586 a.C) e do segundo Templo (70 d.C). A destruição de ambos se deu no mesmo dia 9 de Av, embora com cinco séculos de interstício. Nesse dia, também ocorreu a expulsão dos judeus, em 1290, da Inglaterra e, em 1492, da Espanha, pelos reis Isabel e Fernando, durante a Inquisição espanhola.

Dentre as tragédias contemporâneas, as mais conhecidas são o início da 1ª Guerra Mundial. Tisha b’Av ocorreu imediatamente após a declaração de guerra do império autro-húngaro à Sérvia, dando início às hostilidades que durariam quatro anos. Durante a Segunda Guerra, o dia em que as câmaras de gás de Treblinka começaram a operar, em 1942, dando início ao Holocausto (Shoah) que matou cerca de 6 milhões de judeus, ocorreu em Tisha B’Av.

Um motivo para chorar

Por que Tisha B’Av é uma data que marca tantas tragédias sobre Israel e inspira tanto temor? De acordo com a tradição, foi no dia 9 do mês de Av que os doze espias voltaram com o relato infame para o povo de Israel no deserto do Sinai, exceção feita a Josué e Calebe, insuflando pavor, pânico e rebeldia ao coração dos israelitas.

Essa reação de incredulidade perante a promessa divina de conquista foi o que levou Deus a impedir a entrada de toda aquela geração na Terra Prometida. O que era para ser um breve trajeto no deserto se tornou em uma peregrinação de quarenta anos, bem como na morte de uma geração inteira que não pôde colocar os pés em Canaã.

A Torá relata em Números (Bamidbar) que, ao ouvir o mau relato dos espias, toda a congregação levantou a voz e chorou naquela noite. A incredulidade do povo despertou a ira do Senhor. O Talmude relata que, ao ouvir seu pranto, o Senhor disse que eles não tinham motivo para chorar. E que, portanto, Ele estabeleceria uma tragédia sobre a qual chorariam pelas gerações futuras.

De fato, esse parece ter sido o motivo de apenas um dia, contra todas as probabilidades, concentrar os mais terríveis acontecimentos da história do povo judeu. Essa é a maldição de Tisha b’Av e explica o temor de toda a nação em se humilhar diante de Deus e jejuar nesse dia; em comportar-se como se estivessem de luto; e clamar por sua misericórdia para que se compadeça de seu povo e o poupe de futuras catástrofes.

Um Pai Amoroso

Durante o Tisha b’Av, é costume ler apenas o livro de Lamentações de Jeremias — Eicha. Ele foi escrito pelo profeta no período da destruição do primeiro Templo pelos babilônios, ocasião em que ocorreu o primeiro exílio. Seu nome em hebraico significa “Como” e sintetiza a indagação comum do povo exilado de sua terra: “Como algo assim pôde nos acontecer?”. Lamentações é um clamor a Deus por uma resposta que talvez nunca venha.

Em meio a tantas catástrofes ocorridas no mesmo dia em eras diferentes, há um contraste que aponta para além de todo sofrimento e tragédia que se possa ter lembrança. A palavra Av em hebraico é pai. Esse é o mês do Pai que age com justiça e retidão, mas que também é amoroso e misericordioso. Parece uma ironia que, justamente nesse mês, tantos acontecimentos terríveis tenham sobrevindo a Israel. Apenas parece, mas não é.

Ainda que Ele permita que se abata sobre seus filhos uma ou mais calamidades, sua promessa de sempre estar a nosso lado deve superar toda dor. Em tempos de tragédia, precisamos aceitar que Deus jamais perde o controle da situação, embora possa parecer o contrário, e que sua graça para conosco é o suficiente, como ensinou o rabino Shaul (apóstolo Paulo).

Precisamos enxergar seu amor e sua misericórdia mesmo durante tempos difíceis, quando catástrofes ocorrem ou quando somos disciplinados pelo Senhor. Afinal, Ele é maior do que qualquer tragédia. Esse é o mesmo Pai (Av) que guardou Israel em sua peregrinação no deserto e que, por milênios, o tem guardado até hoje, bem como todo aquele que nele crê e confia.

Consciente disso, Jeremias, ao escrever seus lamentos, faz uma pausa na aflição e suspira: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade!” (Lm. 3:21-23).

Para saber mais, acesse https://www.aoliveiranatural.com.br/2021/07/17/o-dia-tragico-de-tisha-bav/

 

Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor de A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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